Poeta Silvino Pirauá de Lima

Nome de grande destaque na história da literatura popular do Nordeste brasileiro, Silvino Pirauá de Lima nasceu na próspera Vila de Patos, sede da Freguesia de Nossa Senhora da Guia, em 1860 (1). Filho de agricultores, teve uma infância pobre e distante da escola. No entanto, possuidor de uma grande vivacidade, cedo aprendeu a versejar.
Tocador de viola admirável e repentista exímio, considerado o mais notável de todos os discípulos do famoso repentista Francisco Romano, do Teixeira, de quem era grande amigo, Silvino Pirauá foi depois de seu mestre, o maior cantador do Nordeste (2).
Venceu inúmeros cantadores, jamais foi vencido e “aprendeu a cantar no tempo das cantorias em quatro linhas. Talentoso, sentindo falta de espaço nas quadras para a expressão das idéias, introduziu a sextilha e a obrigação de o adversário compor rimando com o último verso deixado pelo contendor - a regra da deixa”(3).
Silvino Pirauá foi uma grande de violeiro, que soube honrar as lições do mestre, e sempre cultuou a sua memória. Falecendo Romano, “o discípulo das preferências, distinguido na confiança do mestre, fez longo e sentido necrológico do repentista excepcional, concluindo seu pleito de admiração como este estrofe:Conhece, desde esse dia,/Cantador entusiasmado.../Todo mundo quer contar,/Cada qual dá seu recado,/Porque quem se respeitava/Já está em cinzas tornado!”(4).
Glosador e poeta popular, viveu a primeira fase de sua vida, cantando pelas feiras livres do sertão paraibano. E, foi “um homem que sofreu/ uma horrenta inclemência/ sem se maldizer da sorte/ sem faltar-lhe a paciência”(5).
Silvino Pirauá era irmão do também cantador José Martins. Certa vez, os dois, na companhia do celebre violeiro Germano da Lagoa, encontravam-se em Patos, a glosarem entre si, quando um dos circunstantes, sugeriu-lhe o seguinte tema: ‘Tudo são honras da Casa’. Ao seu tempo, Pirauá glosou:

“A honra mais importante
Que na casa dá um dom,
É um homem honesto e bom,
Com uma esposa brilhante;
O poeta vigilante
Faz o verso e não se atrasa,
Glosador não me enviasa,
Nem me faz sair da linha;
Quarto, ‘secreta’, cozinha,
Tudo são honras da casa”.
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Tanta riqueza inserida
Por tanta gente orgulhosa,
Se julgando poderosa
No curto espaço da vida;
Oh! Que idéia perdida,
Oh! Que mente tão errada,
Dessa gente que enlevada
Nessa Fingida grandeza
Junta montões de riqueza,
E tudo vem a ser nada.

Vemos um rico pomposo
Afetando gravidade,
Ali só reina bondade,
Nesse mortal orgulhoso,
Quer se fazer caprichoso,
Vive de venta inchada,
Sua cara empantufada,
Só apresenta denodos
Tem esses inchaços tudo
E tudo vem a ser nada.

Trabalha o homem, peleja
Mesmo a ponto de morrer
É somente para ter,
Que ele se esmoreja,
Às vezes chove e troveja
E ele nessa enredada,
Alguns se põem na estrada
À lama, ao sol ao chuveiro,
Ajuntam muito dinheiro,
E tudo vem a ser nada.

Temos palácios pomposos
Dos grandes imperadores,
Ministros e senadores,
E mais vultos majestosos;
Temos papas virtuosos
De uma vida regrada,
Temos também a espada
De soberbos generais,
Comandantes, marechais
E tudo vem a ser nada.

Honra, grandeza, brasões;
Entusiasmos, bondades;
São completas vaidades
São perfeitas ilusões,
Argumentos, discussões;
Algazarra, palavreada,
Sinagoga, caçoada,
Murmúrios, tricas, censura,
Muito tem a criatura,
E tudo vem a ser nada.

Vai tudo numa carreira
Envelhece a mocidade,
A avareza e a vaidade
E quer queira ou não queira;
Tudo se torna em poeira,
Cá nesta vida cansada
É uma lei promulgada
Que vem pela mão divina,
O dever assim destina
E tudo vem a ser nada.

Formosura e ilusões,
Passatempos e prazeres;
Mandatos, altos poderes,
De distintos figurões,
Cantilenas de salões;
E festa engalanada,
Virgem-donzela enfeitada
No gozo de namorar,
Mancebos a flautear,
E tudo vem a ser nada.

Lascivas, depravações
Na imoral petulância,
São enlevos da infância,
São infames corrupções,
São fingidas seduções
Que faz a dama enfeitada
Influi-se a rapaziada
Velhos também de permeio,
E vivem nesse paleio,
E tudo vem a ser nada.

Bailes, teatros, festins,
Comédia, drama, assembléia,
Clube, liceu, epopéia,
Todos aguardam seus fins,
Flores, relvas e jardins,
Festas com grande zuada,
Oiteiro e campinada
Frondam, copam e florescem,
Brilham, luzem, resplandecem;
E tudo vem a ser nada.

O homem se julga honrado,
Repleto de garantia,
De brasões e fidalguia,
É ele considerado;
Mas quanto está enganado
Nesta ilusória pousada
Cá nesta breve morada,
Não vemos nada imortal
Temos um ponto final;
E tudo vem a ser nada.

Tudo quanto se divisa
Neste cruento torrão,
As árvores, a criação
Tudo enfim se finaliza,
Até mesmo a própria brisa,
Soprando a terra escarpada,
Com força descompassada
Se transformando em tufão
Deita pau rola no chão
E tudo vem a ser nada.

Infindo só temos Deus,
Senhor de toda grandeza
Dos céus e da natureza,
De todos os mundos seus,
Do Brasil, dos europeus,
Da terra toda englobada
Até mesmo da manada
Que vemos no arrebol,
Nuvem, lua, estrela e sol
Tudo mais vem a ser nada.
...
Poeta Silvino Pirauá de Lima.

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